Pela ação independente dos trabalhadores e pobres
A deposição e
detenção do presidente Mursi pelas forças armadas marcam um novo estágio,
desafiador, mas potencialmente perigoso nos desdobramentos da revolução
egípcia.
A escala, o
poder e a velocidade deste movimento foram chocantes. Foi uma ilustração de
algo visto frequentemente nas revoluções: após o período inicial de esperança e
euforia, há frequentemente movimentos massivos renovados daqueles decepcionados
com o que parecem ser os parcos resultados obtidos.
O Egito viu uma
queda rápida no apoio a Mursi, um apoio que sempre foi limitado. No primeiro
turno da eleição presidencial do ano passado Mursi ganhou com apenas 5,7 milhões
de votos, aproximadamente 11% do eleitorado do Egito (51 milhões). Os 13,2
milhões de votos de Mursi no segundo turno se explicam, na maior parte, pelo
desejo de barrar seu rival Shafiq, ex-comandante da força aérea e ministro de
Mubarak.
Cada vez mais Mursi
e seu governo da Irmandade Muçulmana enfrentaram a oposição de muitas fontes.
Até agora as debilidades da revolução em trazer melhorias econômicas e sociais
concretas e a crise econômica crescente fomentou greves e protestos. A
tentativa fracassada de "golpe institucional" para conseguir mais poder
por parte de Mursi, em novembro 2012, representou um marco para muitos, assim
como seu apoio declarado à polícia depois que mais de 40 pessoas morreram em
batalhas armadas contra as forças da segurança em janeiro passado em Port Said.
A tentativa de
domínio da Irmandade Muçulmana produziu também a oposição crescente dos
segmentos seculares e cristãos, além de seus rivais religiosos islâmicos como o
partido Nour, fundamentalista sunita,
que se juntou aos protestos no fim de junho.
Pode-se dizer
que o que vimos foram duas lutas separadas contra Mursi. De um lado, há um
movimento popular de massas, mas de outro, os remanescentes do estado
“profundo” de Mubarak, especialmente o alto comando das forças armadas que têm
seus próprios interesses econômicos e políticos e que estão tentando explorar a
oposição massiva para sua própria vantagem.
Potencial revolucionário e perigo contrarrevolucionário
Estes dois
elementos ilustram o potencial e os perigos que a revolução do Egito enfrenta.
A velocidade e o
fôlego do movimento mostram a tremenda energia e o potencial da revolta. Mas,
na ausência da construção de um movimento independente dos trabalhadores capaz
de lutar por uma alternativa socialista, a cúpula das forças armadas, ajudados por
um grupo de políticos pró-capitalistas, pôde aproveitar-se da situação. Os
generais estavam evidentemente receosos de que a situação poderia sair do
controle do seu ponto de vista de classe. Há informes dos trabalhadores
iniciando greves em 3 de julho e mais trabalhadores planejando greves anti-Mursi
para 4 de julho, algo que poderia ter conduzido a classe trabalhadora a tomar
ações de massas, incluindo uma greve geral. Os generais claramente buscaram
tomar a iniciativa de depor Mursi antes que um levante popular o fizesse.
Os líderes
militares agiram para defender seus próprios interesses pessoais e os
interesses de uma parte da classe dominante do Egito. Ao mesmo tempo,
apreciaram o apoio tácito das principais potências imperialistas e também da
classe dominante de Israel. Houve apenas uma crítica suave por parte de Obama e
de outros líderes imperialistas sobre o golpe dos generais, com reivindicações
genéricas por democracia. Dados seus históricos, os líderes das forças armadas e
de segurança egípcios dificilmente poderão reivindicar-se como “democratas”.
Mas isto não preocupa Obama e companhia que estão bem satisfeitos com regimes
autoritários na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, no Qatar, etc.
Este golpe
militar de facto permitiu que Mursi
pose como um defensor da democracia e alegue a oposição a ele foi coordenada
“pelos restos do velho regime” que pagou com o “dinheiro da corrupção” os
ataques à Irmandade Muçulmana e “trouxe o velho regime de volta para o poder.” Não
há dúvida de que elementos do velho regime de Mubarak estão envolvidos no
movimento contra Mursi, mas os protestos de massa se fundamentam na oposição e
na decepção com a Irmandade Muçulmana. Ao mesmo tempo, não há dúvida também que
alguns setores que apoiam Mursi o fazem por causa de sua oposição às forças armadas,
especialmente por causa de suas memórias da repressão brutal do velho regime de
Mubarak sobre toda a oposição incluindo a Irmandade Muçulmana.
Nesta situação é
absolutamente essencial que os esforços sejam redobrados para construir um
movimento independente de trabalhadores, não apenas sindicatos, que possam
oferecer uma alternativa e um chamado real àqueles trabalhadores e pobres que
estão apoiando Mursi para fazer oposição às forças armadas e à velha elite.
Esta é a única maneira que o movimento dos trabalhadores pode tentar limitar a
capacidade dos agrupamentos religiosos fundamentalistas reacionários de se
apresentarem como os principais oponentes a um regime controlado pelos
militares.
A importância
disso fica clara diante do perigo contínuo de divisões sectárias que se
aprofundam entre sunitas, cristãos, xiitas e grupos mais seculares. Já alguns
comentadores estão advertindo que a Irmandade Muçulmana pode ser empurrada para
o lado pelos setores mais fundamentalistas, os agrupamentos jihadistas em luta
contra os seculares e as forças armadas pró-ocidente. Enquanto a situação ainda não é esta, não se
pode esquecer que o cancelamento das eleições na Argélia em janeiro 1992
promovido pelas forças armadas para impedir a vitória da Frente de Salvação Islâmica
(FSI) conduziu a uma guerra civil de oito anos, que custou entre 44.000 e
200.000 vidas e que puxou para trás o desenvolvimento da luta das massas na
Argélia.
Os trabalhadores não podem apoiar este golpe
Não pode haver
nenhum apoio por parte dos socialistas a este golpe de estado. O movimento
crescente da classe trabalhadora necessita manter sua independência das forças
armadas e de Mursi. O envolvimento das forças de oposição chamadas de
"liberais" ou de “esquerda”, como o agrupamento Tamarod (Rebelde),
com as forças armadas é um tiro que sairá pela culatra. Eles serão vistos como
colaboradores, especialmente se as forças armadas usarem métodos repressivos e
autoritários contra seus oponentes ou futuros movimentos dos trabalhadores e
greves. Os líderes dos trabalhadores não devem ter nada a ver com governos
militares ou pró-capitalistas. Caso contrário, é possível que a Irmandade
Muçulmana, ou outras forças similares, tentem assumir a direção de futuras
lutas anti-austeridade e anti-repressão.
As forças
armadas já estão mostrando como querem que as coisas funcionem. Primeiramente
estabeleceram uma estrutura de poder dominada por elementos pró-capitalistas, e
então permitirão que as pessoas votem. Os generais apontaram um presidente novo
e planejam instaurar um governo civil tecnocrata "forte e
competente", ao lado de um comitê para revisar a constituição, enquanto a
corte suprema encaminhará um projeto de lei sobre eleição parlamentar e se
prepararão para eleições parlamentares e presidenciais.
Relata-se que
muitos manifestantes anti-Mursi sentem-se “empoderados” após sua remoção, mas apesar
da enorme rejeição a Mursi e do fato de que as manifestações de massa foram
tremendamente significativas, isto não significa em si mesmo que há um “empoderamento”
das massas. Ter o poder de fato é uma questão de organização e de quem detém o controle
do Estado. No Egito, atualmente, são os generais que estão tentando consolidar
seu próprio poder pelas costas do movimento de massa.
Inevitavelmente
nesta crise econômica o novo governo será pressionado pelo FMI para começar as
chamadas “reformas" que incluirão provavelmente cortes aos subsídios e
outras medidas de austeridade. Isto sedimentará bases para a luta de classe
quando as forças armadas e seu governo tentarem partir para a ofensiva,
possivelmente usando cada vez mais medidas autoritárias e brutais para tentar
impor sua vontade.
Por isso é tão
importante que o movimento popular se organize para lutar por suas próprias
demandas e contra a instauração de um regime sustentado pelos militares.
A classe trabalhadora deve construir sua própria
alternativa
Há dois anos e
meio atrás, no dia em que Mubarak renunciou, o CIT distribuiu um panfleto no
Cairo defendendo: "Nenhuma confiança nos chefes militares! Por um governo
dos representantes dos trabalhadores, pequenos agricultores e pobres!".
As palavras de
ordem daquele panfleto são válidas ainda hoje. Nós defendemos que:
“a massa do povo
egípcio deve afirmar seus direitos e decidir o futuro do país. Nenhuma
confiança deve ser depositada nas figuras do regime ou de seus senhores
imperialistas para administrar o país ou organizar as eleições. Deve haver
eleições imediatas, inteiramente livres e garantidas por comitês massivos dos
trabalhadores e pobres, para uma assembleia constituinte revolucionária que
possa decidir o futuro do país.
“O processo já
iniciado de formação dos comitês locais e organizações genuinamente
independentes dos trabalhadores precisa ser acelerado e espalhado de forma mais
ampla, além de articulado nas diferentes regiões. Um chamado claro para a
formação de comitês democráticos eleitos e organizados em todos os locais de
trabalho, comunidades e entre a base das forças armadas encontraria uma resposta
ampla.
“Estes organismos
devem coordenar a remoção do velho regime, manter a ordem, garantir os suprimentos
e, o mais importante, devem ser a base para um governo dos representantes dos
trabalhadores e dos pobres que esmagaria os restos da ditadura, defenderia
direitos democráticos e começaria a ir ao encontro das necessidades econômicas
e sociais da massa dos egípcios.”
Desde então
houve um avanço tremendo no movimento dos trabalhadores egípcios em termos de
sindicatos, comitês e experiência de ação. Isto fornece base para criar o tipo
do movimento de massas necessário.
Em fevereiro de
2011 nós escrevemos que a revolução egípcia podia ser “um exemplo enorme aos
trabalhadores e aos oprimidos ao redor do mundo, de que a ação de massas pode
derrotar governos e regimes, não importando quão fortes possam parecer.”.
Isto é tão real
hoje como era então. O movimento de massas renovado no Egito pode inspirar
aqueles que não estão vendo mudanças reais com as revoluções, como no caso da Tunísia,
ou que se alarmam diante da degeneração da luta na Síria no que se torna cada
vez mais uma guerra civil sectária, ou diante da contínua repressão na Arábia
Saudita, Emirados Árabes Unidos, etc. Mas enquanto os últimos dias no Egito
mostraram a força potencial da ação de massas, mostraram também outra vez a
necessidade do movimento dos trabalhadores ter um programa e um plano de ação claramente
socialistas, caso contrário outras forças podem tentar desviar, e finalmente
derrotar, a revolução.